Capítulo 3: As discriminações contra as mulheres

Capítulo 3:

As discriminações contra as mulheres
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Depois de termos falado aqui neste programa de rádio acerca das Organizações de Mulheres, um dos modos de participação das mulheres na sociedade, passamos ao tema da DISCRIMINAÇÃO, abordando as diferentes formas de discriminação contra as mulheres e de como superar as discriminações e a desigualdade, seja em casa, no trabalho, ou na rua.
Discriminação no mercado laboral
Existem muitas formas de discriminação das mulheres. A nossa sociedade começa a ter políticas de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, mas mesmo assim os estudos indicam que a este ritmo seriam necessários 70 anos para eliminar a desigualdade entre homens e mulheres. Ora as mulheres são mais de metade da população.
O mercado laboral é um domínio tradicionalmente discriminante para as mulheres. Quando um homem e uma mulher se encontram em situação de competição por um posto de trabalho, por exemplo, a tendência do empregador é de preferir o homem. Acredita-se que o homem está mais disponível do que a mulher para trabalhar, e que não se ausentará tanto como a mulher (gravidez, doenças dos filhos…). O homem é considerado como sendo mais competente do que a mulher. Logo aqui temos uma discriminação negativa em relação ao sexo feminino. As estatísticas indicam que as mulheres têm menos 27% de oportunidades laborais do que os homens, e que a taxa de desemprego feminina é maior do que a taxa de desemprego masculina. O mesmo se passa em termos salariais. Apesar das medidas já tomadas, a discriminação salarial entre homens e mulheres é infelizmente muito importante. As estatísticas actuais, com base em determinados parâmetros, apontam para uma desigualdade de 17% a favor dos homens, tanto no sector público como no privado. Mas ainda assim, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é mais aguda no sector privado, podendo ultrapassar os 20%. E se observarmos o sector agrícola temos uma diferença salarial entre homens e mulheres que ascende aos 50%.
Uma das razões geralmente mencionadas para a manutenção do status quo quanto à desigualdade salarial entre homens e mulheres é o risco de perda de competitividade para as empresas, caso se harmonizassem os salários dos homens e das mulheres. Colmatar o fosso salarial entre homens e mulheres tem sido um processo muito lento e a última crise financeiro-económica de 2008 não contribuiu para a evolução positiva da situação. Na verdade, quando há que reduzir salários, as mulheres são as que mais sofrem.
Alguns sectores produtivos continuam a ser predominantemente ocupados por homens enquanto outros o são por mulheres. Há sectores que tradicionalmente empregam mão-de-obra feminina, como a indústria das conservas e a indústria têxtil, mas apenas 25% dos engenheiros são mulheres.
E apesar destes sectores de mão-de-obra feminina não serem socialmente menos valorizados, os salários aí praticados são, todavia, mais baixos. É também o caso das profissões como empregada doméstica, secretária, auxiliar hospitalar e de educação. Sendo embora empregos fundamentais para o bom funcionamento da sociedade, não são bem remunerados.
Um outro aspecto é que as hierarquias apreciam, em geral, muito mais as competências dos homens do que as das mulheres.
Em geral, as mulheres são mais colaborativas, também mais submissas, reclamando menos, com medo de perder o emprego, que não é muito qualificado e onde podem ser facilmente substituídas. Por essa razão as mulheres têm tendência a reclamar pouco no seu ambiente laboral.
Os homens ocupam em geral postos de engenheiro, médico, advogado, condutor de máquinas, capataz, etc. E, sendo mais especializados, ganham mais do que as mulheres. As mulheres também podem exercer esse tipo de ocupações, conotadas como funções masculinas, mas continua a ser pouco comum, devido à educação recebida e à pressão da sociedade.
Neste aspecto particular, a actriz norte-americana Geena Davis, imortalizada pelo filme “Telma e Louise”, criou um instituto – Geena Davis Institute on Gender on Media – https://seejane.org, que alerta contra estereótipos e discriminações sexistas que filmes e séries da indústria audiovisual veiculam subliminarmente a toda a sociedade, “moldando” a percepção das pessoas, desde crianças, acerca do valor e função das mulheres na sociedade. Porque fazemos aquilo que vemos e acreditamos naquilo que se mostra na televisão. O Instituto Geena Davis, ao qual podemos aderir como membros, e que recebe donativos, tenta influenciar os criadores de conteúdos nos media e indústria do entretenimento para atingir uma representação equilibrada entre os sexos, bem como o respeito pela figura da mulher, através da representação de personagens femininas fortes e inspiradoras. O Instituto Geena Davis foi a primeira organização a fazer um trabalho de pesquisa e “advocacy”?/?defesa ?/?promoção nesta matéria de questões de género nos meios de comunicação, chamando a atenção para as flagrantes más representações e abrindo caminho a outras iniciativas nesta área em todo o mundo.
Quanto ao trabalho doméstico: persiste a ideia de que o trabalho doméstico tem pouco valor. É quase invisível. Não o deveria ser, porque é um trabalho muito importante, diríamos mesmo essencial. Hoje em dia já há uma reflexão quanto à revalorização deste trabalho, como compensar quem nele se investe, e como o tornar inclusivo e partilhado pelo pai e pela mãe, ou por parceiros que formam o agregado familiar. O trabalho doméstico é todo um saber e um trabalho de gestão e de cuidados extremamente útil à sociedade: gerir o lar e o seu bom funcionamento, providenciar as compras, garantir os pagamentos, cuidar das crianças e dos mais idosos, de quem está doente, ir levar e buscar as crianças à escola, acompanhar a sua educação. Todas estas tarefas recaem, geralmente, nos ombros das mulheres. Qual o valor pecuniário deste trabalho de “mesa, cama e roupa lavada”? Um estudo italiano calculou em cerca de 3 mil euros mensais o valor de todos estes serviços “sociais” que as mulheres desempenham diariamente de forma gratuita, caso estas funções tivessem de ser pagas a alguém de fora que as executasse.
Neste capítulo das discriminações, pensamos também nas mulheres sozinhas, em situação de precariedade, como é o caso das viúvas. Que formas existem hoje em dia, na nossa sociedade para reduzir a precariedade destas mulheres? Durante a Idade Média e até ao Século das Luzes, havia o sistema do beguinato, que eram comunidades não religiosas de mulheres que vivendo juntas e protegendo-se umas às outras, eram respeitadas pela sociedade. Em algumas sociedades africanas, persiste o hábito de as viúvas poderem casar com outras mulheres, frequentemente mais novas, formando agregados familiares de duas ou mais mulheres que cuidam umas das outras, e das crianças, assegurando a descendência e a transmissão sucessória da propriedade.

Na última década, a evolução na luta contra a discriminação foi positiva, porém nem sempre linear. Nos últimos anos, a Europa conheceu um programa governativo de austeridade que reduziu as despesas públicas. As mulheres foram as mais atingidas por esta diminuição dos gastos sociais que afectou sectores como a saúde e a educação. Na Bélgica, por exemplo, notaram-se imenso os cortes orçamentais nos cuidados para a infância, que afectaram os infantários públicos e semi-públicos, reduzindo pessoal, tornando os serviços mais caros, reduzindo consequentemente o acesso das famílias (muitas delas monoparentais) a esta funcionalidade, devendo muitas mães ter de ficar com as crianças em casa. Nestes últimos anos, realmente, as opções de austeridade da maioria dos estados tiveram consequências negativas no caminho evolutivo contra a discriminação, sentindo-se um retrocesso em muitos aspectos da vida profissional e pessoal das mulheres e das famílias.

Abordando agora o tema das quotas de discriminação positiva para as mulheres: as quotas permitem exercer pressão para abertura de mais possibilidades para a participação das mulheres, tanto na vida empresarial como na vida política. Por estes dias em que transmitimos o nosso programa de rádio, discute-se a transposição para a lei portuguesa da legislação europeia que visa atingir o objectivo de uma representação equilibrada de homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas públicas e das empresas cotadas na Bolsa (ver website da Comissão Europeia- Direcção Geral do Emprego), chegando ao nível de 40% dos lugares para as mulheres. Isto requer que mude a velha mentalidade de que nas empresas as mulheres não passam do posto de secretária. E por falar em secretárias: são profissionais que dispõem de uma formação completa, exercem um trabalho importante, mas trabalham na sombra do director ou do patrão e são mal remuneradas. Acontece frequentemente nas organizações, quer se trate de empresas ou não, que as mulheres são mais competentes e mais trabalhadoras do que os homens, mas que são estes que granjeiam os louros do trabalho que elas fazem, e também são eles que aparecem na fotografia final.
As mulheres e a Ciência: o dia 11 de Fevereiro é o Dia Mundial da Mulher nas Ciências. Com o estabelecimento no calendário desta efeméride, pretende-se a nível internacional que as raparigas se interessem por carreiras profissionais em domínios científicos. Mais uma vez lembramos a interessante acção do Instituto Geena Davis, que incentiva os guionistas de filmes e séries televisivas a criarem mais personagens femininas investigadoras e cientistas. Até hoje as capacidades das mulheres cientistas são dificilmente reconhecidas. Elas trabalham em geral à sombra dum homem e quando se vai reconhecer o mérito é o do homem que é reconhecido. Deu-se um nome a este fenómeno: o efeito Matilda. É somente hoje que as pesquisas mostram quantas mulheres fizeram descobertas que foram apropriadas por um homem que até pode ser o marido. É ele que recebe o prémio ou o reconhecimento oficial, a mulher não se manifestando. Apesar da situação ter melhorado, ainda acontecem muitos casos desses. (https://www.youtube.com/watch?v=BDFPSpwP83s).


Discriminação no quotidiano: difícil conciliar vida profissional e vida familiar
Fala-se muito no objectivo europeu e nacional de conciliação da vida profissional e familiar. As Leis consagram esse objectivo. No entanto, no dia-a-dia, a estrutura da sociedade não facilita a prossecução desse objectivo, muito pelo contrário.
– Transportes públicos: as mulheres, especialmente aquelas que têm vários filhos, confrontam-se com dificuldades quando pretendem utilizar os transportes públicos para levarem as crianças à escola, ou ao médico, ou à biblioteca local, ou transportar as compras, sendo obrigadas, frequentemente, a optar por possuir carro próprio. Os lugares nos autocarros, eléctricos e comboios são concebidos para pessoas adultas, não para crianças. Ainda não se pensou em desenhar lugares com cintos de segurança e dimensão adequada às crianças. Outro problema são os horários dos transportes públicos e a sua pouca frequência. Muitas vezes os horários não são adaptados às necessidades das mulheres mães de família.
– Creches e infantários: reportando-nos à situação na Bélgica, que é aliás semelhante à de outros países, o número de unidades de acolhimento diurno para as crianças é manifestamente insuficiente e a preço muito elevado. As mulheres e as famílias têm dificuldades em encontrar lugar para colocar os filhos em idade pré-escolar. Por outro lado, os horários de funcionamento não têm em conta a flexibilidade actualmente existente no mercado laboral e só estão adaptados a clientes que ainda trabalham durante o tradicional horário das 8h às 18h, ou seja, cada vez menos pessoas. Tal facto acarreta para grande parte da população, mormente mulheres, dificuldades adicionais de conciliação entre a vida familiar e a vida profissional. Com tais dificuldades muitas mulheres têm de deixar o seu emprego para tomar conta dos filhos até esses terem idade para ir para a escola. As mulheres ficam assim cortadas da vida pública e profissional durante alguns anos. Foi exactamente o caso da minha filha que é fotógrafa, e se viu obrigada a fechar o seu negócio quando teve o segundo filho e não encontrou lugar para ele nas creches públicas (as creches privadas na Bélgica custam 800 euros mensais, o equivalente a um salário). É difícil, até mesmo impossível sem ajuda tomar conta de 2 crianças, sozinha, e gerir uma carreira profissional. A situação continuou quando ela teve o terceiro filho. De notar que na creche onde a filha mais velha tinha estado, apenas dois anos antes, com capacidade para 60 crianças, verificou-se uma redução de pessoal, consequência da política de austeridade, e consequente redução de 40 lugares na capacidade de atendimento. Trata-se de uma contradição política, porque se anuncia, por um lado, o objectivo de até 2020 haver lugares para todas as crianças nos serviços de acolhimento da primeira infância. Mas desta forma, tal não será possível. Entre o discurso político e a vida quotidiana das famílias não há coerência. Este exemplo demonstra, mais uma vez, a falta de apoios para as mulheres, sobretudo as que são cabeça de casal, que mais sobrecarregadas e prejudicadas ficam, vivendo situações de precariedade social e vulnerabilidade, tanto material como psicológica.
-Conciliar vida familiar e profissional é bastante difícil, por todos os motivos. A repartição das tarefas familiares continua a ser desigual entre o casal. As mulheres acabam por acumular dois trabalhos, um fora de casa e outro dentro. Nos casais mais jovens, o homem ajuda mais mas ainda assim é a mulher que dedica mais horas à vida familiar. Se houvesse serviços públicos ou mesmo associativos, por norma a um preço mais acessível, aos quais recorrer para as tarefas como passar a roupa a ferro, creches e explicações escolares, isso ajudaria bastante o casal a poder conciliar a vida profissional com a vida familiar.

Discriminação na vida política
O Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo, validou a existência do sistema de quotas para que as mulheres possam ter acesso a lugares políticos. O Tribunal considerou o sistema de quotas como sendo um estímulo positivo, e não como criando uma outra forma de discriminação. A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia teve como objectivo contribuir para acelerar a caminhada para uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, e para não estarmos à espera dos tais 70 anos para chegarmos a esse objectivo.
Em certos países as quotas são generalizadas. Nos outros a ideia é mais dificilmente aceite e os avanços são mais lentos. As quotas permitem que as mulheres acedam a lugares interessantes nas listas eleitorais, quase exclusiva ou maioritariamente constituídas por homens. Nos parlamentos europeus**??as mulheres ocupam apenas entre 20%-30% dos lugares. Nos Países Nórdicos 40% dos parlamentares são mulheres. Acontece vermos que rapidamente as mulheres são nomeadas e exoneradas de cargos governamentais. Por que é que isso acontece? Para dizer oficialmente que determinado governo cumpre com a regra da paridade, mas depois rapidamente a contorna? Também acontece vermos que as mulheres detentoras de cargos públicos são mais facilmente contestadas do que os seus homólogos homens. E que quando contestadas, mais facilmente se afastam do poder. Notamos a presença mais expressiva de mulheres em cargos políticos a nível local. Elas preferem realizações concretas e estar mais perto do terreno.
As mulheres equivalem a mais de metade do mundo inteiro, mas apenas um quarto ou pouco mais são governantes políticas.
Em Janeiro de 2016, em 200 países, só 10 mulheres eram chefes do estado. É interessante notar que no Ruanda, 63% dos deputados nacionais são mulheres.
A liderança política das mulheres melhora os processos de decisão porque, com algumas excepções, possuem grande capacidade de diálogo, procuram consensos e compromissos. A sociedade precisa que cada vez mais mulheres participem na vida política para contribuírem para o progresso societal. Perguntamo-nos que tipo de sociedade estamos nós a construir? Uma sociedade que não ajuda a família, onde as mulheres não são apoiadas para poderem assumir os seus destinos? O bem-estar da sociedade, passa pelo bem-estar da mulher.
Sem custos demasiados elevados, há possibilidade de melhorar a situação para as mulheres e suas famílias, apostando em serviços sociais de apoio, criando emprego e receita fiscal. O contrário acarreta, isso sim, custos demasiado elevados para a sociedade.

Acabar com as discriminaçoes contra as mulheres

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