Capítulo 6: Associações Portuguesas na Bélgica

Atelier costura: fabricaçao de mascaras durante a pandemia de covid

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Nelly Jazra Bandarra entrevista Conceição Araújo, presidente da APEB (Associação dos Portugueses Emigrados na Bélgica) e Manuela Tavares, vice-presidente da Associação Portuguesa Comunidade de Emaús.
P: As associações são de facto, para os portugueses, uma forma de estar tanto no seio da comunidade como na sociedade belga. Aos vossos olhos, mulheres emigradas na Bélgica, qual o significado das Associações?
R: Conceição Araújo (APEB) : A nossa associação é uma das mais antigas, senão mesmo a mais antiga da Bélgica. Em 2017, a APEB celebrou 50 anos. É uma associação com actividades muito diversificadas: tem um rancho folclórico, faz teatro, multimédia, canto coral, convívios gastronómicos. Também organizamos Marchas de Stº António de Lisboa. A APEB representa Portugal e como tal reúne portugueses, promovendo a sua língua. Há uma semana tivemos um convívio gastronómico cujo prato principal foi o típico cozido à portuguesa;
R: Manuela Tavares (Emaús): A Associação Emaús tem 40 anos. Integrei-a há 12 anos, com o intuito de representar os portugueses da Bélgica, propondo-lhes actividades, tais como: costura e ensino de francês. Temos também um rancho folclórico e, mensalmente, um convívio gastronómico português. Procuramos ajudar compatriotas recém chegados, sempre que se defrontam com dificuldades e que ignoram tudo da administração belga, é uma forma de contribuir para a sua inserção na sociedade belga. Assim, também lhes damos a conhecer tudo o que por cá se passa a nível associativo no seio da comunidade portuguesa.
No princípio fui com o meu marido para a Associação. Eu queria que ele ficasse, mas afinal quem ficou fui eu. Comecei logo a organizar certas actividades e nunca parei. Gosto de lá estar porque é uma associação pequena e acolhedora.
P: De que forma iniciaram as vossas lides associativas, dado que é algo que exige muito tempo e energia?
R: Conceição (APEB): No meu caso, foi o meu ex-marido quem me trouxe para as lides associativas. E foi assim que me impliquei na APEB e o meu filho seguiu os meus passos. Fundei o rancho Raízes de Portugal, seguiu-se o teatro, e iniciei as Marchas de Stº António de Lisboa que adoro, como lisboeta que sou. Sempre gostei das nossas tradições e da vida associativa. O que me motiva é a partilha e estarmos todos juntos.
Na APEB temos uma secção de eventos, fazemos espectáculos, por exemplo: na altura do Carnaval, e quando revivemos os velhos Pregões de Lisboa. Fazemos sketches, um deles foi a “Maria Papoila”. Juntar gente é o lema da nossa associação.
No mandato actual, a direcção é composta por 5 mulheres, que apelidei de “Mosqueteiras”. Não obstante, com apoio masculino. Não somos nada sem os homens e os homens não são nada sem as mulheres.
Ser presidente da APEB não foi fácil. Nunca imaginei que me causaria tanto dissabor. A APEB havia conhecido uma péssima gestão. Quando fui eleita presidente, enfrentei uma grande agressividade por parte de um “senhor” que queria ser presidente: fui alvo de acusações. Concluí que uma das razões principais era pelo simples facto de eu ser mulher… Ser-se eleita dirigente associativa não é fácil. Há gente que não gosta….
R: Manuela Tavares (Emaús): Eu comecei logo por ser presidente. A vice-presidência era assumida por um homem. Mas no actual mandato os papéis foram invertidos.
No início, o meu marido era contra, mas acabou por aceitar. O facto de ser mulher não causou qualquer complicação. Na associação (EMAÚS), os homens sempre ajudaram.
No entanto quem trabalha são as mulheres. Os meus braços direitos são mulheres e os braços são muitos.
P: Nas vossas associações as mulheres têm umas tarefas e os homens têm outras tarefas?
R: Conceição Araújo (APEB): Antigamente era assim como diz. Hoje os tempos são outros. Para termos uma boa direcção administrativa temos que ter pessoas dedicadas. Trabalhamos muito com as entidades comunais (Saint-Gilles). Precisamos de contactar frequentemente a “comuna” (câmara municipal). Reunimo-nos regularmente com os seus representantes. Conseguimos fazer as reuniões à tarde, porque é impossível fazê-lo às 5 horas da tarde, como eles gostariam. Há muitas de nós que terminam o seu trabalho às 20 horas. A “comuna” acabou por perceber o problema, talvez porque as duas pessoas de contacto são mulheres.
Somos mulheres, mas em primeiro lugar somos a APEB.
P:As mulheres têm formas diferentes de trabalhar?
R: Manuela Tavares (Emaús): Tenho a certeza que sim. As mulheres trabalham e pensam de maneira diferente dos homens. Têm muitas ideias e podem ver as coisas doutra maneira. Certos homens não têm as ideias claras. Eu penso nas coisas práticas e ando para a frente.
Há mulheres que sabem deitar a mão a tudo. Já no caso dos homens, isso depende.
P: A vida familiar das mulheres será um impedimento para a sua participação nas associações?
R: Conceição Araújo (APEB): Sim, com certeza. É um problema. Às vezes as reuniões são à noite e nem todas podem vir. Vou dar um exemplo: a nossa vice-presidente, que tem uma filha adolescente e vai ser mãe outra vez. Para além da vida familiar, estas mulheres também têm vida profissional e estão limitadas pelos horários, porque acabam o trabalho bastante tarde. Eu já estou reformada, mas continuo a trabalhar. As outras colegas trabalham, mas têm já os filhos crescidos. Como as nossas reuniões se realizam durante a semana, temos de nos coordenar para estarmos todas juntas. Geralmente num dia de semana e por volta das 20h30.
Na APEB, temos de organizar tudo, inclusive a limpeza. Temos a particularidade de partilhar o espaço da Maison des Cultures de St. Gilles com a Escola de Circo. Se alguma coisa não estiver bem, a Escola de Circo faz queixa à “comuna”.
É uma grande luta para se conseguir resultados, mas somos mulheres responsáveis.

P: Será que os homens ajudam? Pensam que os homens estão sensibilizados para ajudar ou será necessário fazer esse trabalho de sensibilização?
R: Conceição Araújo (APEB): A ajuda é sempre bem-vinda. Todo o trabalho da direcção administrativa somos nós que o fazemos. Somos as primeiras mulheres a assumir a direcção da APEB. Os homens, se desejam ajudar, têm de ter muita experiência e muita prática. Os outros podem ajudar no bar ou fazer outras coisas.
Na realidade, apesar de aceitarmos esta ajuda, temos sempre a tendência de fazer tudo.
R: Manuela Tavares (Emaús): O meu marido não trabalha. Eu já estou reformada, mas continuo a trabalhar. Ele acompanha-me por todo lado. Ele faz tudo, por exemplo levar os netos quando é preciso.
Para as pessoas que têm filhos é mais complicado. Muitas vezes elas não podem vir às actividades da associação e isso limita o trabalho associativo.
Quando há almoços, o meu marido põe as mesas e arruma depois. Ele está sempre presente, mesmo quando não faz nada. No DIA DE PORTUGAL, ele participa e faz tudo o que é preciso.
Muitas mulheres têm os maridos presentes. Eles estão ao lado das mulheres e ajudam.
Q : Como participam as mulheres e as raparigas dentro das associações?
R: Conceição Araújo (APEB): Nós, mulheres da nova direcção, começámos tudo do zero. O nosso problema é manter a APEB e as actividades: o rancho folclórico que tem mulheres funciona bem e o coro feminino também. No passado havia um grupo coral masculino. Estas actividades são as mais participadas. Não tivemos ainda tempo para reactivar as outras actividades como o teatro. As mulheres fazem também tapetes de arraiolos. Em Portugal, eu era mestre na Fundação Espírito Santo. Gostaria de lançar aulas de confecção desses tapetes típicos. O rancho folclórico é muito importante. O nosso rancho é do Ribatejo. Todos os membros têm de ser sócios da APEP. Os filhos podem participar. Eles participam em vários festivais folclóricos. Dia 7 de Outubro vamos à Festa da Sopa da Pedra, festa de um outro rancho português, o do Vladimiro do “Grupo Etnográfico do Ribatejo. Vamos cantar canções portuguesas. Quando as pessoas se encontram é uma alegria.
R: Manuela Tavares (Emaús): As mulheres estão bem representadas na Associação de Emaús. Há uma professora que vem dar um curso de Francês. Na costura somos 18 mulheres, é uma actividade muito importante. Havia um curso de Inglês, com muitos alunos homens. Nesses cursos, dados por mulheres, há homens e mulheres.
R: Conceição Araújo (APEB): O Rancho Folclórico é muito importante para nós, porque representa a APEB. Atrai público aos festivais. E promove-se a cultura portuguesa. É importante para a nossa comunidade. Na questão da participação, neste momento fazemos todos os esforços para que as raparigas novas participem mais.
R: Manuela Tavares (Emaús): Na Associação de Emaús também temos Rancho Folclórico. As mulheres estão bem representadas em todas as actividades. Nunca notei diferença nas actividades. Tanto os homens como as mulheres estão presentes. Com as raparigas novas é muito mais difícil. Elas não estão interessadas, são atraídas por outras coisas, mas aparecem para visitar. Nesta altura não fazemos nada de especial para atrair as raparigas novas.
R: Conceição Araújo (APEB): A nova geração foi criada nas escolas belgas. Entre eles falam Francês.
Há muita coisa que se pode fazer. Estamos aqui a chamar as raparigas e os jovens, até para ajudar na Rádio Alma. Desta maneira podem sentir como é trabalhar com pessoas da mesma comunidade. Os jovens têm outros interesses, podem frequentar outros meios, mas também chega o momento em que dizem: “Agora quero fazer alguma coisa para a minha comunidade”. Mesmo tendo um pé na cultura belga, é uma maneira de voltar às raízes.
R: Manuela Tavares (Emaús): Os jovens foram educados de maneira diferente de Portugal. Eu cheguei em 1954 e pus os meus filhos na escola belga. Eles não tiveram contacto, durante muito tempo, com a comunidade portuguesa, só com a família e os primos. Nos anos 80 conheci as associações portuguesas aqui na Bélgica. Vejo agora o erro que fiz em não trazer os meus filhos para a Associação, para conhecerem a cultura portuguesa.
Por outro lado, os portugueses que casam com belgas não aproximam os filhos da cultura portuguesa, porque muitas vezes as suas mulheres não estão interessadas. Quando os dois pais são portugueses é mais fácil. No caso dos meus filhos, o mais velho fala português e vai muitas vezes a Portugal. Tenho duas noras belgas. As mulheres são muito importantes para a transmissão da cultura portuguesa.
P: O que faz falta em termos de apoio às associações portuguesas, seja por parte das autoridades portuguesas ou das belgas?
R: Manuela Tavares (Emaús): Há muito pouco apoio por parte de Portugal. Portugal devia dar mais para ajudar a manter a cultura portuguesa. Estamos também a falar de apoio no sentido financeiro. Nós estamos sempre aflitos para arranjar dinheiro. Por exemplo, agora nas instalações da nossa associação precisamos de janelas novas. Do lado da comuna de Ixelles, antes já tivemos apoio, mas agora nada.
P: Muitas vezes os responsáveis das autarquias dizem que as comunas belgas não dão apoio porque há poucos eleitores portugueses. Que acham?
R: Manuela Tavares (Emaús): Quando entrei na associação incentivei as pessoas a votar. É verdade que a maior parte dos portugueses da minha geração não vota. Eu, por exemplo, não voto porque não sei em quem votar. Não temos explicações suficientes e não conheço bem a política. Não me consigo decidir. E muitos dos portugueses que emigraram antes do 25 de Abril de 1974 nunca tinham votado.
R: Conceição Araújo (APEB): Realmente não existem ajudas. A comunidade portuguesa, no aspecto eleitoral, é muito diferente das outras comunidades: muitos não estão inscritos e não votam. Para nós é grave, porque estamos sediados num prédio da comuna. Se não tivermos influência a nível político, as ajudas desaparecem. Da parte de Portugal não tem havido ajudas.
Q : As mulheres animam e tem novas ideias. Como é que vêm o futuro do vosso trabalho associativo, visto que quase não há apoio financeiro das autoridades?
R: Conceição Araújo (APEB): Para o futuro precisamos de apoio oficial para termos instalações próprias. Queremos conseguir atrair os mais novos. Se os mais velhos conseguiram transmitir-nos o bichinho do associativismo, nós temos que fazer a mesma coisa com os novos. O que queremos é motivar os jovens para que venham e trabalhem, que tenham o bichinho associativo. No dia em que tiver de passar o testemunho quero que eles estejam aptos. Tenho de saber a quem passo o testemunho. Uma associação tem que ser realmente uma associação e não um café. Uma associação tem que ter actividades para juntar a comunidade, é um sítio para virmos com a nossa família, comer, beber, rir, brincar e aprender. Mas que seja uma associação!
R: Manuela Tavares (Emaús): Eu espero que a nossa associação nunca vá por água abaixo! Gostaria que a associação persistisse, e que aqueles que nos sucederão tenham sempre duas preocupações: representar Portugal, e ajudar os portugueses.
Todas as associações portuguesas estão federadas numa associação de cúpula que é a FAPB (Federação das Associações Portuguesas na Bélgica). Ela apoia-nos, tal como às outras associações.
Vivam as mulheres portuguesas, o seu empenho e generosidade ao serviço da comunidade e dos outros!

Emaus: atelier costura
Grupo folklorico da APEB (Associaçao dos portugueses emigrados na Belgica)

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