Livro Exilio no feminino
Helena Cabeçadas
Helena Rato
Entrevista Helena Cabeçadas e Helena Rato
Emissao 22 de março 2024 Radio alma
Livro Exilio no feminino
Entrevista Helena Cabeçadas e Helena Rato
As autoras do livro de esquerda para a direita : Helena Rato , Maria Brederode, Santos, Amelia Resende ,Irene Pimentel, Beatriz Abrantes et Fernanda Marques.
O livro Exilio no feminino, foi apresentado no dia 2 de abril na ULB, 17 rue Franklin Roosevelt.
O livro é um testemunho de 7 mulheres portuguesas exiladas por causa do regime facista em Portugal (1933-1974).
1-Como surgiu a idea de fazer este livro ?
2-Como foram escolhidas, ou como foi combinado o trabalho com as 7 mulheres, que escreveram o seu testemunho?
3-O que era importante contar no livro ?
4-O que fois mais dificil no vosso percurso durante este periodo?
5-As duas estiveram na Belgica, como se passou este periodo aqui?
6-E importante apresentar o livro em Françes?
E apresenta-lo na ULB?
7-Como viveram o 25 de abril?
8-A vossa messagem hoje, sobretudo a juventude.
Helena Cabeçadas na sua juventude
Em Bruxelas, as autoras que participaram a apresentaçao do livro Exilio no feminino, de esquerda para a direita Amelia Resende, Helena Cabeçadas, Irene Pimentel e Maria Brederode Santos
Artigo publicado no « Noticias sem Fronteiras »
pela Helena Cabeçadas
Bruxelas revisitada
Passados quase seis décadas a sensação de maravilha invade-me
16 de Abril, 2024
A sessão na ULB
Numa sala plena, apesar de serem as férias da Páscoa, Maria José Gama, como Presidente da AJA-Bruxelas, introduziu a temática do livro, cuja apresentação foi feita pela jovem Adriana Costa Santos, Co-directora da Plataforma Cidadã de Apoio aos Refugiados, que estabeleceu a ligação entre os exílios de ontem e os de hoje, interpelando-nos, a cada uma de nós, sobre os temas abordados no livro. Seguiu-se um debate vivo, animado pela Adriana, ao qual se seguiu uma sessão de músicas do Zeca Afonso cantadas pela voz fresca da Joana Costa.
Foi uma sessão simpática, calorosa e, para mim, comovente, pois permitiu-me agradecer in loco à Bélgica e à ULB em particular, o ambiente acolhedor que me proporcionaram, há quase sessenta anos atrás. Era eu então uma garota de 17 anos apenas, mas já tinha passado pela prisão política de Caxias e já tinha sido expulsa de todas as escolas de Portugal. Na ULB procurei e encontrei a possibilidade de prosseguir os meus estudos e de reconstruir a minha vida em liberdade. Agradeci, pois, em meu nome e em nome de tantos outros jovens portugueses antifascistas – conheço muitas dezenas. A Helena Rato, por exemplo, uma das co autoras deste livro, após uma saída épica de Portugal e Espanha a salto, grávida de 8 meses, e após uma experiência de exílio muito dura em França e na Argélia, aqui encontrou, finalmente, a possibilidade de prosseguir e terminar os seus estudos. Foi generosa a Bélgica de então: proporcionava aos antifascistas portugueses o estatuto de refugiado político da ONU e uma bolsa de estudo para quem quisesse estudar. Era algo de precioso, ter um estatuto, ainda que de apátrida, e poucos países da Europa Ocidental o proporcionavam.
Mas talvez porque eu era ainda muito jovem e muito curiosa, foi para mim um deslumbramento a descoberta da sociedade democrática e cosmopolita que encontrei em Bruxelas em meados dos anos sessenta. Entrar na ULB, em particular, constituiu uma experiência extraordinária, confrontar-me com a coexistência democrática e livre das mais diferentes opções ideológicas e a possibilidade de ler e discutir abertamente os mais diversos textos políticos e filosóficos, deixou-me quase em êxtase. Era um contraste imenso com o Portugal de então, provinciano e sufocante, onde se fazia sentir uma censura feroz e o medo permanente de uma polícia política impiedosa.
Passadas quase seis décadas
(É engraçado que, ainda hoje, passadas quase seis décadas, essa sensação de maravilha me invade quando me lembro disso, tal a intensidade da minha emoção na altura!).
Mas não foi só a liberdade de pensamento e de expressão da ULB que me encantou, foi também a descoberta de Bruxelas, da sua arquitetura magnífica, dos belos parques e jardins, dos excelentes museus, do ambiente alegre dos seus restaurantes e brasseries e, sobretudo, da sua vida cultural rica e cosmopolita, a nível do teatro, da dança, do cinema, das artes plásticas, da literatura, da música e, claro, da BD. Foi, para mim, um tempo de descobertas fascinantes, a todos os níveis.
É verdade que nem tudo foi fácil, apesar do acolhimento cordial por parte da Universidade e dos belgas, em geral. A minha experiência ensinou-me que todo o exílio, tal como toda a emigração (no sentido em que é forçada), é sempre uma vivência dura de marginalidade e solidão, uma ruptura violenta com a família, os amigos, a língua, as paisagens, a luz, os sabores do seu país.
As partidas da memória
Mas a memória é frágil, prega-nos partidas, pois implica sempre um trabalho de reconstrução do passado. Daí que seja urgente recuperá-la, na medida do possível. E eu penso que os testemunhos individuais de uma época e de uma geração têm interesse, não só para nós, que os vivemos, mas também para as novas gerações e para os investigadores deste nosso passado recente.
Há, no entanto, um assunto sobre o qual me questiono: Como é que a cidade e a cultura do país em que vivemos os nossos exílios nos marcou e influenciou os nossos percursos de vida?
O que eu constato, a esta distância de cinco décadas, é que, nos ex exilados da Bélgica há, de um modo geral, no pós 25 de Abril, uma certa marginalidade em relação poder político e cultural. Isto mesmo quando se afirmaram de modo original e criativo nas suas áreas profissionais e/ou artísticas. Estou a pensar, por exemplo, no Al Berto, considerado um poeta maldito, ou no Francisco Palma Dias, ainda hoje um poeta desconhecido, tal como o seu irmão Jacinto Palma Dias, um historiador brilhante e incómodo; na Gabriela Llansol, na literatura, com a sua escrita singular e fulgurante; no José Álvaro Morais, hoje um cineasta de culto, mas que viveu sempre no limiar da miséria e que poucos filmes conseguiu realizar; no João Brites, no teatro, com o seu “Bando” (um teatro para mudar o mundo), ou no João Luís com o seu “Pé de Vento”, no Porto, ou até mesmo, no caso do jornalismo, no Torquato Sepúlveda, sempre tão combativo (entre muitos outros, claro).
Os ex-exilados da Bélgica
Ora que os ex exilados da Suíça foram logo quase todos para lugares de grande responsabilidade política no pós 25 de Abril. Lugares que desempenharam, em geral, com competência, não discuto isso. Só constato que tiveram apetência pelo exercício do poder político.
E eu pergunto-me se uma certa distância crítica em relação ao poder dos ex exilados da Bélgica não terá sido influenciada, justamente, pela cultura do país em que vivemos, cosmopolita e democrática, é certo, mas não se tomando muito a sério como país, caracterizando-se por uma certa auto ironia, um certo esprit de dérision – que leva os belgas a não terem grandes ilusões sobre o seu papel no mundo e os torna, aliás, bem simpáticos. E que se exprime tão bem no pequeno e truculento Maneken Pis (a quem nós, portugueses, chamávamos o Manecas mijão), na lenda de Ulenspiegel, essa obra prima de Charles de Coster, na pintura surrealista (Magritte/Delvaux), no humor corrosivo das canções de Jacques Brel, no cinema absurdo de Jean Bucqoy sobre a vida sexual dos belgas e, sobretudo, na frescura e vivacidade da sua BD.
Eu sei que esta questão exigiria um estudo mais aprofundado para que se possam tirar conclusões fundamentadas. Mas a interrogação aqui fica, para quem quiser pegar nela e aprofundá-la.
Abril de 2024
Helena Cabeçadas