Capítulo I: Mulheres Cidadãs
Capítulo II: 8 de Março, Dia Internacional da Mulher
Capítulo III: Discriminações contra as Mulheres
Capítulo IV: Violência contra as Mulheres
Capítulo V: As Mulheres no 25 de Abril de 1974
Capítulo VI: As Mulheres e a Europa
Capítulo VII: As Mulheres nas Primaveras Árabes
Capitulo VIII: As Mulheres no Líbano
Capítulo 1: MULHERES CIDADÃS
1° programa Mulheres cidadãs
“Apresentação do ciclo de programas Mulheres Cidadãs, mulheres na actualidade “
https://go.ivoox.com/rf/17627956
Neste primeiro programa apresentamos as organizações de mulheres na Europa, em Portugal e no Mundo, sua utilidade e formas de acção.
As mulheres quando estão organizadas em torno de uma estrutura são sempre mais fortes, podendo assim defender os seus direitos. Por esta razão é útil analisar as várias organizações que as representam.
Podemos perguntar: faz sentido, hoje em dia, as mulheres lutarem pelos seus direitos, quando muitas leis estatuem a igualdade entre os géneros? Sim, mas na realidade do dia-a-dia, o sentimento de discriminação é constante. A passagem da teoria à prática não é fácil. É necessário defender os direitos das mulheres, já que infelizmente persistem graves discriminações que afectam as mulheres.
Essas discriminações são heranças não só do sistema de patriarcado, que marca muitas das nossas sociedades, bem como de certas ideologias políticas, e ainda de particularidades que têm que ver com as religiões. Não podemos ignorar que o machismo ainda impera, sobretudo nos países do Norte de África, desvalorizando ou ignorando as capacidades das mulheres e o seu lugar na sociedade.
Uma sociedade em que as mulheres e as raparigas não estão em plano de igualdade com os homens, não podendo traçar o seu próprio destino, não avança. Nos países ocidentais temos um pouco mais de sorte, graças às conquistas alcançadas pelas lutas das organizações de mulheres e à evolução positiva das políticas e das leis.
Trabalhar no âmbito de uma Organização permite, sem dúvida, responder melhor às necessidades, facilita a participação de um maior número de mulheres, a troca de ideias, bem como a realização de projectos concretos.
Organizações de Mulheres
O nível nacional
Falamos das organizações de mulheres existentes a vários níveis e começamos pelo GRAAL, porque a Patrícia, nossa companheira no programa da Rádio Alma Bruxelas, é activista nesta organização.
O GRAAL nasceu nos Países Baixos (vulgo Holanda) em 1958 a partir da ideia de que as mulheres não tinham que ficar confinadas nem ao casamento nem ao convento. Em Portugal, Maria de Lurdes Pintassilgo foi uma das suas principais promotoras.
O GRAAL existe em vários países da Europa, América, Austrália e África, desenvolvendo projectos educativos, com o pressuposto de que a educação de uma rapariga é a educação de uma família e da sociedade em geral.
O GRAAL tem uma antena em Bruxelas e várias em Portugal. O GRAAL é membro fundador da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PPDM). A Associação de Mulheres contra a Violência (AMCV) é membro desta Plateforma.
A alfabetização foi uma das prioridades do GRAAL nas aldeias e vilas portuguesas.
Para além da educação e da alfabetização, o GRAAL tem agora vários outros projectos, como por exemplo um projecto sobre a violência no namoro.
O GRAAL também está presente em países africanos. Aí os problemas que afectam as mulheres em primeiro grau têm que ver com a saúde e nutrição, pouco rendimento per capita, famílias numerosas, etc. Nesses contextos, o GRAAL responde às necessidades de educação, formação e capacitação das mulheres para melhor saberem enfrentar a esses problemas.
A Plataforma Portuguesa dos Direitos das Mulheres (PPDM) é um organismo de cúpula, federativo, agrupando mais de 20 Associações portuguesas de mulheres. Sempre com o objectivo de promover as revindicações das mulheres, a PPDM é reconhecida pelo poder político e exerce um poder de pressão sobre as autoridades públicas portuguesas.
As acções das associações são muito diversas (ajuda às mulheres violentadas, redes de jovens, formação e informação sobre os direitos cívicos, políticos e económicos, seguimento da legislação, ajuda à regularização de mulheres migrantes, luta contra a discriminação, etc.) pelo que é importante o papel de coordenação nacional da Plataforma. Está representada em vários órgãos consultivos, como por exemplo o Conselho Económico e Social português.
A PPDM, tal como outras cúpulas nacionais, reúne organizações nacionais, regionais e/ou locais filiadas. As organizações federativas nacionais representam e votam em nome dessas suas afiliadas. As coordenações a nível nacional são importantes para estabelecer uma posição comum nacional sobre problemas e respectivas soluções, e para seguidamente as expressar em fóruns mais amplos. Tais posições são reflectidas, depois, a nível europeu, em domínios como o emprego, igualdade salarial, sistema de quotas, violência contra as mulheres, aplicação do mainstreaming (integração do princípio da igualdade entre homens e mulheres em todas as políticas).
Website da plataforma:
https://plataformamulheres.org.pt/
O nível europeu e regional
A PPDM é membro, por sua vez, de várias organizações de cúpula a nível europeu:
• Lobby Europeu das Mulheres (LEM) que é uma federação de organizações nacionais de cada estado membro da União Europeia.
• AFEM (Associação das Mulheres da Europa Meridional) que representa organizações do Sul da Europa. Trata prioritariamente de questões ligadas aos países mediterrânicos.
• Plataforma da sociedade civil EUROMED que inclui organizações do Norte de África e do Médio-Oriente.
Estas organizações regionais são redes de cooperação cuja utilidade é dupla: por um lado, ajudam a potenciar as actividades das suas afiliadas, facilitando fóruns de debate, partilha de informações, ideias e experiências, e facilitam a transmissão vertical da informação, propostas e reivindicações das organizações das mulheres da sociedade civil até ao nível do poder executivo e legislativo. Junto da Comissão Europeia, por exemplo, que é a instituição geradora da legislação europeia, estas organizações de cúpula a nível europeu têm uma função consultiva.
Desde 1987, organizações de mulheres quiseram criar uma estrutura junto das suas instituições nacionais que as representasse junto da União Europeia, o que levou em 1990 à criação do Lobby Europeu das Mulheres (LEM). Formado pelo conjunto das plataformas nacionais dos diferentes países, o Lobby defende a agenda europeia da igualdade e a aplicação das medidas tomadas a nível europeu.
Enquanto o Lobby Europeu das Mulheres (LEM) junta só organizações de países europeus, o Euromed, trabalha, por sua vez, com representantes dos dois lados do Mediterrâneo, elaborando projectos comuns, organizando formações, ajudando as actividades das mulheres, inclusive no meio rural. Neste caso o mar não separa, mas junta as mulheres das duas margens. É verdade que à roda do Mediterrâneo há problemas comuns. Podemos citar o casamento precoce das raparigas. Há países onde a lei proíbe o casamento precoce, mas noutros a tradição cultural dita que a idade do casamento seja inferior aos 18 anos (idade legal da maioridade), não sendo porém as raparigas e os rapazes a decidir das suas próprias vidas, mas sim as suas famílias.
Na Turquia, por exemplo, onde a idade legal de casamento é aos 18 anos, verificou-se recentemente um retrocesso, quando uma instituição pública como a Direcção Geral dos Assuntos Religiosos sugeriu que a idade da puberdade (segundo os preceitos islâmicos 9 anos para as raparigas, e 12 anos para os rapazes) fosse a idade mínima para contrair matrimónio. O que prova que nesta matéria de direitos das mulheres não há nada de adquirido e certo. Felizmente que o caso foi denunciado pela comunicação social e por alguns partidos no Parlamento. Há sempre que lutar contra este tipo de influências religiosas retrógradas que constituem uma forma de submissão e controlo das mulheres desde a sua tenra juventude, e uma “despenalização” do crime de pedofilia e abusos.
Quanto ao problema da mutilação genital: embora se tenham aprovado leis de proibição da mutilação genital, nos últimos anos em alguns países africanos, continua a vigorar esta má prática ancestral que mata tantas meninas africanas e que lhes coarta o direito a uma boa saúde sexual e reprodutiva. Devido a tradições muito enraizadas e à falta de formação, informação e apoio, as mães continuam a deixar que as suas filhinhas sejam mutiladas. Para desenraizar maus hábitos, a formação e a educação são fundamentais para qualquer sociedade. Mas isso quer dizer concretamente:
• Informação de qualidade que as mulheres recebem, sob vários formatos, desde novelas e folhetins, filmes, documentários, até músicas e novas tecnologias de informação.
• Trabalho sobre a percepção que as mulheres retiram da informação dada (ganho, mais-valias, valores).
• Disponibilização no terreno de apoio concreto e soluções alternativas.
Mesmo quanto ao direito ao aborto, que também parecia algo cer
to e adquirido: agora em alguns países do Leste da Europa este direito está a ser contestado. Idem para Portugal e Bélgica, onde há uma vontade de diminuir o impacto da lei e reduzir a sua aplicação só a determinados casos.
Em Portugal a lei do aborto foi aprovada a 11 de Fevereiro de 2007. Em apenas 10 anos de vigência desta lei os resultados são muito positivos: redução constante dos casos de aborto (por todas as razões, desde a opção da própria mulher até riscos para a saúde, mal formação congénita e violação) bem como um grande progresso na saúde sexual e reprodutivas das mulheres, na educação e planeamento familiares.
Nível Mundial
Os direitos das mulheres baseiam-se nos direitos inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), que é o instrumento jurídico base.
As organizações que referimos estão ligadas às Nações Unidas (ONU), tendo subscrito a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A PPDM e o GRAAL têm direito a estar presentes, com estatuto consultivo, em alguns órgãos da ONU. Podem fazer declarações escritas ou orais e podem levar pessoas para testemunhar.
Numa das últimas sessões da Comissão para o Estatuto das Mulheres (WSC) da ONU, que se reúne habitualmente em Nova Iorque, no início de cada ano, o GRAAL reuniu um grupo de raparigas de meios vulneráveis, inclusivamente vítimas de mutilação genital, para que fossem testemunhar junto desta organização internacional de nível global. Este tipo de acção visa a sensibilização para problemas concretos junta de instituições globais influentes, onde têm assento os representantes diplomáticos de vários países, no sentido de influenciar a tomada das necessárias decisões.
Utilidade das organizações de mulheres
É verdade consensual que sozinhos, pouco ou nada conseguimos. Idem para as mulheres. Para que a sua voz seja mais forte, as mulheres têm que se juntar e têm que estar organizadas. Pode ser que mais tarde também venham os homens. Para alcançar os objectivos de igualdade de oportunidades, fim das discriminações e participação plena nos processos de decisão, é necessário que as mulheres assumam os seus próprios destinos de cidadãs conscientes.
Justifica-se fazer este trabalho em prol dos direitos das mulheres, porque ao melhorar as condições de vida de uma mulher, está-se a melhorar o presente e o futuro de toda uma comunidade. Aqui se recorda o conceito africano de Ubuntu, base da Constituição da República da África do Sul, que reconhece a verdade de “Eu existo porque nós existimos!”
Vemos como exemplo de utilidade das organizações de mulheres a legislação aprovada pela União Europeia em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que veio dar origem à Lei portuguesa da Paridade (https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/Legislacao_Anotada/LeiParidade_Simples.pdf). O processo legislativo, a aprovação e implementação desta legislação, contou e conta com a participação e contributo das organizações de mulheres, cada uma a seu nível. São chamadas, por isso, de “partes interessadas” (stakeholders).
Neste âmbito da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, as organizações de mulheres apoiaram a política das quotas para mulheres, no sentido de uma representação equilibrada de homens e mulheres tanto nas listas apresentadas pelos partidos políticos, como nos órgãos dirigentes das empresas públicas e das empresas cotadas na bolsa. Apesar das mulheres constituírem mais de metade da população e da força laboral, trabalham mais horas do que os homens, ganham menos do que os homens e não conseguem ser eleitas nem nomeadas para posições de chefia. No que respeita às listas eleitorais, a percentagem de representação foi inicialmente fixada em 33% e agora situa-se nos 40%. Quanto às empresas públicas a percentagem obrigatória é de 33,3% e nas empresas cotadas em bolsa de 20% progredindo até 33,3%. Trata-se de uma acção de afirmação positiva, por via legislativa, para que finalmente se consiga por fim quebrar o chamado “tecto de vidro”/ “mulher não entra”.
Esta legislação faz parte de uma estratégia para marcar a presença das mulheres tanto no sector público como no privado, na esperança que isso contribuirá para mudar as relações de força na sociedade. Falaremos deste ponto no capítulo das discriminações.
As organizações das mulheres atuam não só no plano da educação e dos direitos, mas também no plano da paz. Nas negociações durante ou pós-conflito, a presença das mulheres é importante. Uma das reivindicações das organizações das mulheres a nível internacional é a paridade de género à mesa das negociações de acordos de paz. As mulheres conseguem mais facilmente encontrar soluções quando participam nesses processos de paz e quando podem decidir do futuro dos seus países, uma vez que são mais sensíveis ao sofrimento que os conflitos armados infligem às populações civis, sobretudo aos grupos mais vulneráveis que são as mulheres, mães, raparigas, crianças, e idosos. As organizações internacionais pretendem igualmente dar mais importância à participação de mulheres em situações de gestão de fluxos de refugiados e de pessoas deslocadas, que procuram a paz, o acesso à educação, à saúde e ao trabalho. Nestas situações de deslocação maciça de populações, as mulheres e as crianças são frequentemente vítimas de tráfico de seres humanos.